quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Prescrições em Odontologia


O artigo não é atual, mas revela uma faceta da nossa profissão.
Vamos discutir isso nas aulas de Farmaco.


INTRODUÇÃO

O medicamento, desde a sua fabricação até o seu consumo, vem sendo objeto de preocupação e de inúmeras pesquisas realizadas mundialmente. A maior parte desses estudos relaciona-se à prática médica, enfatizando questões sobre reações adversas, aumento e disseminação de resistência bacteriana a antibióticos, padrão de prescrição de medicamentos e influência da propaganda de medicamentos na prescrição.

Em odontologia, pouco tem sido analisado sobre a inserção do medicamento na prática clínica. Um dos motivos desta pequena produção científica talvez seja devido ao consenso geral de que o dentista prescreve pouco e o seu arsenal de drogas é restrito. No caso de medicamentos para uso sistêmico incluem-se, principalmente, os antimicrobianos e analgésicos/antiinflamatórios não-esteróides.

O volume de medicamentos e de recursos movimentado por prescrições odontológicas, em verdade, não é tão pequeno assim. Na Inglaterra, os gastos com prescrições odontológicas reembolsados pelo National Health Service evoluíram de 0,05 libras, em 1952, para 5,25 libras, em 1995 . A variedade de classes terapêuticas e especialidades farmacêuticas como condutas de prescrição para uma mesma patologia é um fato observável em odontologia e confirma que o arsenal antimicrobiano, analgésico e antiinflamatório pode ser menor do que aquele utilizado pelos médicos, mas possui uma diversidade considerável.

Em seu estudo sobre a indicação de antiinflamatórios e antibióticos nas afecções da polpa e periápice, Castilho (1992) mostra a utilização de classes farmacológicas distintas para uma mesma patologia (associadas ou em separado) e que tais condutas, apesar de conflitantes, apresentam embasamento na literatura.

O cirurgião-dentista possui o dever legal de conhecer os aspectos farmacológicos dos medicamentos que prescreve, devendo também analisar criticamente a bibliografia oferecida pelos laboratórios farmacêuticos, bem como os resultados apresentados pelo uso do medicamento. Outro dever do cirurgião-dentista é a elaboração das fichas clínicas e sua conservação em arquivo.

Murrah et al. (1987) ressaltam que a falta de documentação adequada é a principal razão por que muitos dentistas são levados aos tribunais nos Estados Unidos. Os advogados desse país consideram que os dentistas são os piores documentadores da história das profissões.

A definição de prescrição de medicamento, de acordo com Wannmacher e Ferreira  (1995) “ é uma ordem escrita dirigida ao farmacêutico, definindo como o fármaco deve ser fornecido ao paciente, e a deve ser utilizado” e deve se apresentar por escrito, pois responsabiliza tanto quem prescreve quanto quem dispensa.

Através do Decreto Presidencial n. 793, de 5 de abril de 1993, o uso do nome genérico no receituário médico e odontológico tornou-se obrigatório e, seis meses após a sua promulgação, deveria se tornar obrigatório o destaque deste nas embalagens.

O uso do nome genérico é fundamental para implantar uma competição entre os oligopólios do setor farmacêutico, um mercado mais equilibrado e um uso mais racional dos medicamentos. Esta prática facilita a captação de informações a respeito dos fármacos na literatura internacional, pois sua nomenclatura não se modifica de acordo com interesses econômicos, como pode acontecer com os nomes comerciais e, finalmente, permite ao paciente a compra de um medicamento de menor custo.

Se, por um lado, anamnese bem feita leva a um diagnóstico exato de uma determinada patologia, por outro, tal dado não terá significância alguma sobre a prescrição se o profissional não estiver bem informado sobre farmacologia.

Tanto em odontologia, quanto em medicina, os profissionais estão voltados, principalmente, para as informações sobre farmacologia e terapêutica oferecidas pelas escolas, seja durante a sua formação acadêmica, seja através de cursos de extensão já como profissionais. As escolas de medicina, ao não darem ênfase científica adequada à terapêutica, estimulam o empirismo em que se baseia a terapêutica medicamentosa entre os recém-formados. A situação se repete nos cursos de odontologia.

MÉTODOS

A população de referência foi formada por cirurgiões-dentistas, clínicos gerais, do Município de Belo Horizonte-MG, que exerciam sua atividade profissional no consultório particular, ainda que pudessem também fazê-lo com outros vínculos, inclusive no setor público. Esta população foi escolhida por não estar submetida a formas de controle da prescrição de medicamentos, constituindo-se em excelente fonte de dados sobre prescrição medicamentosa. No serviço público, ao contrário, a lista de medicamentos adquiridos pela instituição é restrita e, como conseqüência, há um certo nível de controle prescricional dos profissionais de saúde.

O instrumento de coleta de dados constituiu-se de um questionário aplicado a 205 cirurgiões-dentistas, clínicos gerais, sorteados aleatoriamente a partir da listagem telefônica de endereços da Região Metropolitana de Belo Horizonte de 1996 (páginas amarelas)*.

De março a julho de 1996 foi realizada a coleta de dados, que constava basicamente de: contato por telefone com o cirurgião-dentista sorteado para a amostra, identificação do pesquisador, explanação dos objetivos da pesquisa, salientando-se a não identificação e solicitação de consentimento para a entrega do questionário. Em caso afirmativo, o questionário era entregue no consultório do profissional e uma data para possível devolução era estipulada. A entrega e o recolhimento dos questionários foram realizados por um dos autores e por uma auxiliar, especialmente treinada para a tarefa.

O questionário era composto por 23 questões, sendo analisadas as relacionadas: à descrição da amostra, aos registros habituais realizados no consultório (fichas clínicas, prescrição em receituário); à prevalência de medicamentos citados como mais prescritos em um período de 15 dias anteriores à aplicação do questionário; ao uso do nome genérico nas prescrições, à auto-avaliação sobre o nível de conhecimento, realização de cursos de reciclagem em farmacologia e importância dada à farmacologia na prática profissional.

A taxa de devolução dos questionários foi de 88,3% (181 questionários). Destes, 163 (79,5%) foram considerados suficientemente preenchidos, constituindo-se na amostra estudada.

Os resultados foram apurados e quantificados em percentagens. Foram submetidas ao teste do qui-quadrado as variáveis cursos de reciclagem em farmacologia, auto-avaliação sobre o nível de conhecimento em farmacologia, importância dada à disciplina para o exercício profissional e utilização do nome genérico nas prescrições para verificação de possíveis associações. Foram consideradas associações estatisticamente significantes aquelas que apresentaram valores de p (probabilidade de significância) iguais ou menores do que 5% (0,05), em distribuição bicaudal.

RESULTADOS

Dos 163 cirurgiões-dentistas pesquisados, 54,6% eram do sexo masculino e 45,4% do sexo feminino. A maioria (75%) formou-se em escolas da capital do Estado e 45,6% durante a década de 80. No que diz respeito ao número de pacientes atendidos por semana, 43,3% receberam 16 a 30 pacientes. Do total da amostra 141 profissionais (86,5%) relatam preencher ficha clínica para todos os pacientes, 57,0% afirmam registrar em ficha clínica todas as prescrições realizadas, enquanto que 73,0% responderam que todas as prescrições são realizadas por escrito. Considerando as duas semanas anteriores à data do preenchimento do questionário, observou-se que 82,8% prescreveram algum tipo de medicamento para os seus pacientes.

Na Tabela 1, pode-se observar as classes terapêuticas mais prescritas no período, sendo as marcas mais indicadas: a amoxicilina, fenoximetilpenicilina, diclofenaco de sódio e de potássio e dipirona sódica.

Apesar de 56,4% dos cirurgões-dentistas relatarem prescrever utilizando o nome genérico do medicamento, quando indagados sobre quais foram prescritos nas duas semanas anteriores à aplicação do questionário, citaram com maior freqüência o nome comercial.

Aproximadamente 30% da amostra não considera a farmacologia muito importante na sua vida profissional e 44,8% dos pesquisados consideram insuficientes os seus conhecimentos nesta área (Tabela 2).

Cerca da metade da amostra realizou algum tipo de curso de reciclagem em farmacologia após a graduação (Tabela 3). Embora tenha sido encontrada uma associação estatisticamente significante entre a realização de cursos de reciclagem e importância dada à farmacologia na vida profissional (p = 0,001), tais cursos parecem não alterar a auto-avaliação sobre o nível de conhecimento em farmacologia e o uso do nome genérico, tal como expressado pelos cirurgiões-dentistas.
 
 

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